Ensaios

GUERRA CULTURAL - Uso da cultura como instrumento de manipulação política e ideológica

   A cultura é um conjunto de características contidas em todos nós, que começamos a adquirir ainda muito jovens. Segundo o francês Gilles Delleuze (1992), construímos nossos hábitos e valores através do grupo social que fazemos parte, inicialmente por nossos familiares e amigos, depois através das instituições, como as escolas, igrejas, mídias, etc. Assim, a cultura faz parte da construção de nossa identidade, de quem nós somos, influenciando, e algumas vezes, determinando a forma como vemos o mundo.

  Nesse sentido, hierarquizar a cultura, conforme presenciamos em algumas circunstâncias, é também hierarquizar o homem. Considerar uma cultura como superior ou inferior já provocou sangrentos conflitos, e nos dias de hoje, ainda se manifesta em forma de preconceito, intolerância e discriminação de grupos e pessoas.

  O Brasil possui uma história de forte conflito cultural. Principalmente durante os períodos colonial e imperial, houve um empenho da classe dominante, representada principalmente por colonos portugueses e outros grandes proprietários de terra, para depreciar a cultura das classes dominadas, composta majoritariamente por índios, mestiços e negros africanos. O domínio cultural era considerado fundamental para o processo de colonização, legitimando a soberania da coroa portuguesa. Assim, a cultura nativa e africana, eram vistas como degeneradas e inferiores pelos colonos, e deveriam ser eliminadas ou substituídas pela europeia.

  Além disso, durante boa parte do século XX, no contexto da guerra fria, sofremos um "bombardeio cultural" dos EUA, que através de filmes, publicidade e marketing, conseguiram introduzir seus valores com relativo êxito na cultura nacional. O "sonho americano", ou o "estilo de vida americano" (american way of life), passou a fazer parte do imaginário popular do brasileiro.

  Dessa forma, durante nossa história, tivemos nossa cultura sofrendo discriminação por parte dos próprios brasileiros, contraditoriamente, transformando esse ataque à nossa cultura protagonizada por nós mesmos, também em uma característica de nossa cultura. O autor Nelson Rodrigues, chamou esse fenômeno de "complexo de vira lata", afirmando que "o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem". Como consequência disso, mesmo nos dias de hoje, é comum presenciarmos figuras públicas, às vezes o próprio presidente Jair Bolssonaro, criticando o modo de vida dos indígenas e descendentes de escravos, atacando a arte nacional, ovacionando a bandeira dos EUA, e depois de tudo isso, ainda se declarando "patriota".

  Segundo o cientista político italiano Giulliano Da Empoli (2019), esse tipo de discurso preconceituoso é motivado por interesses políticos e ideológicos, e são utilizados como instrumentos de manipulação psicológica, conquistando eleitores através de paixões extremas, como o ódio e o medo. Além disso, possui a função de fragmentar a sociedade. Um povo unido por ideais sociais mais concretos, como saúde e educação, por exemplo, é visto como "perigoso" para políticos de perfil autoritário ou elitista. Assim, a cultura se transforma em uma importante ferramenta para legitimar projetos particulares de poder, escondendo intenções que podem ir contra o interesse público da sociedade.

  

Falácias Lógicas

  No decorrer do século XX, com a popularização do rádio e da TV, a linguagem passou a exercer um papel fundamental na vida das pessoas. Com a possibilidade de comunicação em massa, ficou claro que é através do discurso e da propaganda que as pessoas são convencidas de todos os tipos de ideias. Fomos bombardeados em todas as áreas possíveis, cultura, religião, política, hábitos, consumo, etc. A linguagem ficou estabelecida como principal ferramenta de convencimento das pessoas. Ela é responsável por determinar desde a forma de como nos vestimos, nos comportamos, até como vemos e interpretamos o mundo.

  Nos dias de hoje, com o advento da internet, passamos a nos comunicar em grande velocidade e intensidade, sem precedentes na história. O uso da linguagem foi levado à níveis absurdos.

  Para o filósofo austríaco Ludwing Wittgenstein, "os limites de nossa linguagem, significam os limites do nosso mundo". Ou seja, a linguagem não é somente interpretação ou representação do mundo, ela é o próprio mundo. É através do discurso e da comunicação, que construímos nossa realidade.

  Através do pensamento de Wittgenstein, podemos perceber a importância do argumento como instrumento de investigação da realidade. A lógica tem um papel fundamental nesse processo, pois é através dela que podemos fugir das "armadilhas" da linguagem. Bons argumentos nos fazem chegar mais próximos de boas conclusões.

  Contudo, existem ferramentas de linguagem que nos forçam a um erro de pensamento. São as falácias. Esses erros são provocados através de aspectos emotivos ou psicológicos, e de informações parcialmente ou totalmente irrelevantes às questões abordadas. As falácias, assim como as ideologias, são instrumentos de linguagem utilizados para nos convencer a qualquer custo de determinadas ideias. Abaixo, destaquei alguns exemplos dessas falácias, conhecidas como informais:

Falácia de apelo à força (ad baculum): Pretende-se persuadir o outro não por argumentos racionais, mas pelo uso de discursos fortes, autoritários ou agressivos. Essa agressividade pode vir através de linguagem verbal, corporal ou mesmo no conteúdo da ideia, como no exemplo a seguir. Exemplo: "- Espero que você tire boas notas na prova, pois caso contrário, não imagina o que pode lhe acontecer..."

Falácia contra a pessoa (ad hominem): Ataca individualmente a pessoa, e não seus argumentos ou ideias. Exemplo: "- João não é um motorista confiável, pois não é cristão"

Falácia de apelo à emoção (argumentum ad passiones): Quando o argumento se fundamenta em sentimentos como o de piedade, amor ao próximo, etc. Muito usada também em campanhas publicitárias. Exemplo: "-Você deve reatar seu relacionamento, pois apesar do acontecido, você pode mostrar que é uma pessoa melhor"

Falácia de apelo à ignorância (argumentum ad ignotantiam): Usa-se como premissa algo que não se tem conhecimento ou não se pode provar para se chegar à uma conclusão. Exemplo: "-Deus não existe porque não há prova experimental para comprovar sua existência"

Falácia do espantalho (strawman): Deturpa-se o argumento do interlocutor, para tornar o seu mais razoável. É inventar, exagerar ou mudar o sentido do argumento do interlocutor. Exemplo: "-Deveríamos investir mais em educação e ciência. - Então você acha que deveríamos abandonar o sistema de saúde?"

Falácia da Bola de Neve (slippery slope): Quando se tenta invalidar um argumento chegando a uma conclusão exagerada ou inventada. A ideia é evitar o tema atribuindo-lhe a pior hipótese possível. Se o evento "A" acontecer, então "Z" também vai acontecer. Portanto "A" não deve acontecer. Exemplo: " Se permitirmos o casamento gay, logo haverá casamento entre pais e filhos, entre pessoas e animais, etc"

Falácia de apelo à hipocrisia (tu quoque): Enfrenta uma crítica feita pelo interlocutor, jogando-a contra o próprio interlocutor ou outro. A ideia é fugir do argumento, tentando justificar um erro com um outro erro. Exemplo: "- O político em que votei é desonesto, mas o outro era ainda pior"

Falácia da incredulidade pessoal: Quando uma pessoa não entende bem algo ou não sabe como funciona, se conclui que não pode ser verdade. Alguns assuntos são complexos, e exigem um certo tempo e esforço de dedicação para se ter uma compreensão. Exemplo: "Paulo desenha um peixe e um homem, e pergunta à João se ele realmente acredita ser possível o peixe se transformar em um humano. " (sobre a teoria da evolução das espécies)

Falácia da composição: Assumir que a parte de algo se aplica ao todo. Colocar objetos distintos que tenham alguma relação, como se fossem os mesmos. Exemplo: "-se há vida na Terra, então há vida espalhada pelo universo" "-átomos são invisíveis, como somos formados por átomos, também somos invisíveis"

Falácia do verdadeiro escocês (no true scotman): Uma crença popular ou pessoal pré estabelecida, torna-se uma justificativa para um argumento. Exemplo: "-americanos são imperialistas, se há americanos pacíficos, então não são americanos" ou "- brasileiro gosta de samba e futebol, se não gosta de samba e futebol, não é brasileiro".

TÉCNICA, TECNOLOGIA E DIVISÃO DO TRABALHO

 Apresento acima dois quadros sinópticos. No primeiro, exponho de forma bem simples o significado e a diferença entre técnica e tecnologia, traçando uma relação intrínseca entre esses dois conceitos e o trabalho. No segundo quadro, apresento dentro de um contexto histórico, algumas ideias e expectativas filosóficas sobre o avanço da tecnologia. Por fim, veremos um pequeno texto crítico, buscando compreender como técnica e tecnologia influenciam de forma tão significativa nossa sociedade:

   Após uma análise do primeiro quadro sinóptico, percebe-se que é impossível dissociar técnica e tecnologia, já que um depende do outro para existir. A técnica, refere-se à ação do homem quando há um propósito, um objetivo. Já a tecnologia, é um resultado com base científica de um conjunto dessas ações, pensada para auxiliar a atividade técnica. Estando intimamente ligada ao trabalho, quase sempre essa tecnologia se apresenta em forma de uma ferramenta, ou instrumento.

Para cada profissão exercida na sociedade, exige-se técnicas e tecnologias distintas. Por exemplo, um pedreiro age de forma diferente (técnica) de um médico cirurgião, e ambos necessitam de ferramentas (tecnologia) diferentes em suas profissões. Toda essa diferenciação, gera uma divisão de trabalho. A sociedade passa a ser dividida em diversos grupos, onde cada grupo é responsável por determinada função.

Essa divisão do trabalho é essencial para o progresso de uma sociedade, caso contrário, ainda estaríamos em uma condição social atrasada. Nas sociedades primitivas não havia essa divisão, e as pessoas realizavam atividades semelhantes umas às outras. Os homens eram responsáveis pela caça e pesca, e as mulheres pelas crianças, por exemplo.

Porém, segundo o filósofo Émile Durkheim, essa divisão do trabalho gera alguns efeitos colaterais. Para Durkheim, essa diferenciação técnica do trabalho nos tornam seres diferentes, individualistas, cada vez menos empáticos e solidários um com o outro. Em sociedades onde há menos divisão do trabalho, geralmente comunidades menos industrializadas ou mesmo em condição natural, como algumas tribos indígenas por exemplo, os indivíduos possuem atividades semelhantes, assim, eles teriam mais facilidade em se enxergar no outro, desenvolvendo empatia, possuindo um maior "espírito" de coletividade. Essa falta de senso coletivo (consciência social) teria como consequência a desigualdade social, que por sua vez, seria responsável pelos principais problemas da sociedade moderna, como a violência, pobreza, corrupção, etc.            

   


Ideologia e Seus Modos de Operação - Jhon Thompson

  No século XIX Marx dividiu a sociedade em duas classes, a burguesia e o proletariado. Atualmente essa divisão não é mais tão óbvia. O sistema econômico evoluiu, se tornou mais elaborado, passando por um forte processo de racionalização e consolidação. Para Jhon Thompson, não é mais tão nítido distinguir o grupo dominante e o dominado, contudo, esses grupos ainda existem, só que de forma mais complexa. Para ele, grupos hegemônicos passaram a se associar a outros grupos para manter seus interesses e privilégios. Antes, esses privilégios eram garantidos através de influência política, poder econômico e o uso da força. Hoje, em tempos de "paz" e de valorização do pensamento democrático, esses grupos passaram a usar a "linguagem" como principal ferramenta para legitimar e manter seus interesses econômicos e políticos.

  Para Thompson, as "ideologias" são formas de linguagem utilizadas para estabelecer e sustentar relações de dominação. O linguista cita cinco modos de operação ideológica, mas ressalva que elas funcionam apenas como um referencial, pois não são formas únicas nem independentes, podendo se articular e se mesclarem em diversos contextos diferentes.

Legitimação: Os grupos dominantes procuram justificar suas ações como sendo as melhores. É convencer as pessoas de que seus interesses equivalem ao da maioria. Para isso, eles buscam legitimar suas ideias através de uma racionalização, objetivando um convencimento da sociedade. Exemplo: As mulheres eram proibidas de votar, trabalhar e estudar, e a legitimação estava em convencer que elas eram intelectualmente inferiores ou facilmente manipuladas pelos seus maridos.

Dissimulação: Os grupos dominantes buscam eufemizar, suavizar e até negar problemas sociais, tentando desviar a atenção dessas questões. Exemplo: Quando é negado a existência de um preconceito de gênero ou racial, ou quando um político tenta amenizar um problema relacionado `a saúde ou segurança, etc.

Unificação: Busca-se não só através do discurso, mas também de uma linguagem estética, uma "padronização" da sociedade. O objetivo é passar uma ideia de coletividade, de união, por mais diferente que seja o grupo. Mesmo marcado por uma relação de dominação e desigualdade, o grupo dominado se sente "parte" do mesmo grupo dominante. Exemplo: a bandeira, o hino, o patriotismo, o nacionalismo, etc.

Fragmentação: Quando os grupos dominados passam a ameaçar a hegemonia dos dominantes, estes então percebem a necessidade de fragmentar os dominados, diminuindo assim sua força. Essa fragmentação é feita pela diferenciação e o expurgo. A diferenciação é exercida através de uma "enfatização" das diferenças, dificultando uma união entre os indivíduos. O expurgo é a criação de inimigos comuns (externos ou internos), considerado ameaçador para os dominantes. Exemplos: Os imigrantes como uma "ameaça" à estabilidade econômica e social, o ataque a etnias ou grupos políticos divergentes, etc.

Reificação: É principalmente a "naturalização" de determinadas ideias. Certos valores e costumes históricos são passados como sendo naturais, permanentes, atemporais. Portanto, devem ser aceitos dessa forma pela sociedade. O objetivo é a manutenção desses valores que são de interesse dos grupos dominantes. Quando a naturalização passa a pertencer ao senso comum, o processo de reificação foi concluído com êxito. Muitos grupos são tratados como "minoria" mesmo não o sendo, pois existe um discurso que "naturaliza" a condição desses indivíduos. Exemplo: Mulheres devem ganhar menos porque engravidam, pobres merecem ser pobres porque não estudaram, o homossexualismo como um comportamento errado ou i

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