VOLTAIRE - Liberdade de Pensamento

20/12/2022

VOLTAIRE - Liberdade de Pensamento 

    O filósofo francês Voltaire (1694-1778) foi um ávido defensor da liberdade de expressão. Perseguido pela monarquia francesa e pela igreja católica, buscou exílio na Inglaterra, onde naquela época, havia uma maior liberdade de pensamento. No texto abaixo, o filósofo descreve um encontro entre dois personagens de orientações políticas opostas. "Boldmind" é um oficial inglês liberal, e o conde "Medroso", um integrante da Santa Inquisição portuguesa:

BOLDMND: Somente a vós compete aprender a pensar, pois nasceste com espírito. Vede que sois uma ave na gaiola da Inquisição. O Santo Ofício aparou-vos as asas, mas elas podem voltar a crescer. Qualquer homem pode instruir-se. Deveis ter ousadia de tentar pensar por vós mesmo.

MEDROSO: Dizem que se toda gente pensasse por si próprio, a confusão seria danosa para a sociedade.

BOLDMIND: Pelo contrário. No momento em que assistimos a um espetáculo, cada qual dá livremente sua opinião, e a paz não é perturbada. Porém, se algum protetor de um determinado poeta, quiser forçar todas as pessoas a considerar bom o que lhes parece mau, os dois grupos acabarão alvejando-se com maçãs, como já aconteceu algumas vezes em Londres. Grande parte das desgraças do mundo foram causadas por esses tiranos. Na Inglaterra, só somos felizes desde que possamos exprimir livremente nossas opiniões.

MEDROSO: Em Lisboa também estamos sossegados, pois ninguém pode exprimir a sua opinião.

BOLDMIND: Sossegados, porém não sois felizes. É o sossego dos escravos das galés, que remam em cadência e em silêncio.

MEDROSO: Nesse contexto, julgais que minha alma está nas galés?

BOLDMIND: Sim. E me candidato a libertá-la.

MEDROSO: E se acontecer todavia, que eu me sinta bem nas galés?

BOLDMIND: Nesse caso, é porque mereceis as galés. 


(VOLTAIRE, Dicionario Filosófico, Ed. M. Claret, pag. 354-356)


IMAGEM: Antes do desenvolvimento das grandes embarcações, a partir do século XVI, as galés eram muito utilizadas. Eram compostas principalmente por escravos e criminosos, muitas vezes, condenados a remar pelos restos de seus dias, até a morte. Para Voltaire, viver em uma ditadura é como viver em uma galé. Existe sim uma ordem, um silêncio, que talvez possamos chamar de paz, contudo, é uma paz dolorosa, terrível e sombria.

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