DIDEROT - Moral dos Cegos

11/08/2022

DIDEROT - Moral dos Cegos

  Em "Carta Sobre os Cegos...", o francês Denis Diderot (1713-1784) faz uma comparação entre os cegos de nascença e as pessoas que enxergam. Para Diderot, do ponto de vista moral, nossa forma de agir e pensar é bastante influenciada pelas representações que captamos pela visão. Nos comportamos diferente de acordo com as imagens que estamos observando.  Quando estamos diante de uma pessoa bem vestida, quando entramos em um restaurante caro, etc. 

  Dessa forma, o filósofo defende que um cego de nascença possui alguns valores morais diferentes dos nossos, desconsiderando elementos puramente estéticos, sensíveis apenas às pessoas dotadas de visão. No trecho abaixo ele expõe sobre o pudor do corpo, e faz um alerta sobre a insensibilidade aos males que não podemos ver:


" Como nunca duvidei que o estado de nossos órgãos tem muita influência sobre nossa moral, passei a questionar o cego de nascença sobre os vícios e as virtudes. E eles não fazem grande caso do pudor: sem as injúrias do frio, de que as vestes o protegem, não compreende realmente o uso destas, e confessa abertamente que não adivinha porque se cobre antes uma parte do corpo do que outra. Embora estejamos num século em que a filosofia nos desembaraçou de grande número de preconceitos, não creio que cheguemos algum dia a desconhecer as prerrogativas do pudor tão perfeitamente como nosso estimado cego. 

  Além disso, que diferença há para um cego entre um homem urinando e um outro, que sem se queixar, derrama seu sangue? Ora, nós mesmos não deixamos de nos condoer quando a distância ou a pequenez dos objetos produz o mesmo efeito em nós que a privação da vista nos cegos? Não duvido que muitos teriam menos dificuldade em matar um homem a uma distância que não pudesse vê-lo, do que degolar uma galinha com as próprias mãos. Quando sentimos compaixão por um cavalo que sofre e esmagamos uma formiga sem nenhum escrúpulo, não é o mesmo princípio que nos determina? Como a moral dos cegos é diferente da nossa! Como a de um surdo seria diferente daquela de um cego! E como um ser que tivesse um sentido a mais que nós acharia nossa moral imperfeita, pra não dizer coisa pior!" (DIDEROT, Denis, "Carta Sobre os Cegos Endereçada Àqueles que Enxergam")


IMAGEM: De forma geral, temos mais dificuldade em despertar empatia com as pessoas que estão distante de nós. Ficamos sentidos quando ouvimos falar em fome, doença ou morte, mas nada se compara quando nos deparamos com esses males e os sentimos próximos, seja com a visão conforme propõe Diderot, ou com os outros sentidos. 

  A imagem é do ilustrador Carlos Latuff, e faz uma crítica a alguns governantes que defendem abertamente uma política de extrema violência nas periferias do Rio de Janeiro. Assim como no exemplo dado por Diderot, não é difícil imaginar que essas autoridades vivem em lugares bem distantes dessas áreas de confronto.                     

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