BALZAC - Liberdade das Mulheres
BALZAC - Liberdade das Mulheres
"- Devemos senhora, obedecer a lei e os costumes da sociedade...
- Obedecer à sociedade? Ah, senhor, todos os nossos males vêm daí. Deus não fez uma só lei de infelicidade; mas ao se reunirem, os homens falsearam a obra dele. Somos nós, mulheres, mais maltratadas pela civilização do que seríamos pela natureza. A natureza nos impõe penas físicas que os senhores não abrandaram, e a civilização desenvolveu sentimentos que os senhores enganam para se beneficiarem. A natureza sufoca os fracos, e os senhores os condenam a viver uma vida de infelicidades. O casamento, instituição sobre a qual se apoia a sociedade, faz nos sentir todo o seu peso: para o homem, a liberdade, para as mulheres, os deveres. Os senhores amaldiçoam pobres criaturas, que motivadas pela miséria, se vendem por alguns trocados à um homem que passa; contudo, encorajam a união imediata muito mais horrível de uma moça virgem e inocente, com um homem que ela mal viu durante três meses, e a vende pelo resto da vida. Oh, senhor, posso dizer-lhe tudo! O casamento, tal como se pratica hoje, parece-me ser uma prostituição legal.
- Senhora Júlia, seus discursos me provam que nem o espírito de família nem o espírito religioso a tocam...
- Será que a família existe, senhor? Nego a família numa sociedade que, na morte do pai ou da mãe, divide os bens e diz a cada um pra ir cuidar da sua vida. A família é uma associação temporária e fortuita que a morte dissolve prontamente. Nossas leis destruíram as casas, as heranças, o afeto, e o pouco que havia de bom nas tradições. Só vejo escombros ao meu redor." (BALZAC, A Mulher de Trinta Anos, )